6 de ago. de 2007

RESPOSTA DO CASO DO DIA 25/07

Resposta do Médico Veterinário Residente Felipe Purcell + complementos Profa. Mônica

1)Para compreensão das alterações neurológicas deste paciente é importante conhecer a neurofisiologia da micção.


Durante o armazenamento normal de urina, a bexiga permanece relaxada e acomoda urina lentamente, evitando o extravazamento através da contração do esfíncter uretral interno. O SN simpático predomina durante a fase de armazenamento, ativando receptores adrenérgicos na bexiga e uretra. Resistência uretral adicional pode ser gerada por contração reflexa ou voluntária dos músculos estriados no esfíncter uretral externo.

Com o aumento do volume urinário e distensão do detrusor, informações aferentes vão através dos nervos pélvicos até a medula sacral e em seguida ao tronco encefálico e centros cerebrais envolvidos no controle da micção. Há uma descarga para a medula espinhal sacral, os neurônios motores pré-ganglionares parassimpáticos são ativados e impulsos via nervo pélvico ativam o músculo detrusor (bexiga), havendo contração do mesmo. Concomitantemente há inibição dos nervos hipogástricos e pudendo, havendo relaxamento dos esfíncteres uretrais interno e externo respectivamente. Assim, há atividade sincrônica de contração do detrusor e relaxamento dos esfíncteres uretrais até que a bexiga esteja vazia. Após o esvaziamento o nervo pélvico deixa de atuar e o nervo pudendo e hipogástrico retornam a atividade, ou seja a bexiga relaxa e os esfíncteres se contraem.

No gato o final da medula espinha (cone medular) encontra-se mais caudal em comparação com os cães (com exceção das raças Toy), ou seja, os segmentos sacrais da medula espinhal S1-S3 (origem dos nervos pudendo e pélvico) podem estar localizados no espaço intervertebral L5-L6, ou da vértebra L6. Um pouco mais caudal (vértebra L7 ou espaço intervertebral L7-S1) estão os segmentos coccígeos, os quais originam as raízes nervosas sensitivas e motoras da cauda que se prolongam por todo sacro até as suas respectivas vértebras coccígeas.

A lesão deste gato ocorreu entre as vértebras L7-S1 e no momento da consulta ele já estava apoiando os membros pélvicos, o que indica que as raízes de L7 não sofreram dano extenso. Porém, a flacidez da cauda demonstra que as raízes coccígeas foram afetadas e os sinais desta lesão ainda estão presentes mesmo após 10 dias de trauma. Pela foto é possível visualizar a contração do esfíncter anal, supondo assim a integridade do nervo pudendo. Entretanto, o paciente apresenta dificuldade para urinar associada a uma bexiga repleta difícil de esvaziar.
Isto indica:
  • lesão em nervo pélvico, assim o detrusor não se contrai ou ocorrem contrações incompletas e incoordenadas da parede vesical e consequente distensão vesical . Diante desta lesão parassimpática (nervo pélvico), o nervo hipogástrico (componente simpático) tem sua ação exacerbada sobre o esfíncter uretral interno, dificultando assim o esvaziamento da bexiga). Parece haver ação do nervo pudendo, havendo contração do esfíncter externo, dificultando o esvaziamento.

É importante observar que muitos animais com lesões graves ou extensas na cauda equina, nervos pélvicos e pudendo tem o quadro conhecido como bexiga flácida ou de Neurônio motor inferior. Nas lesões completas o esfíncter externo também é denervado e desenvolve paralisia flácida, não havendo dificuldade para esvaziar a bexiga por compressão, ao contrário do caso aqui demonstrado.

2. Além dos cuidados gerais com o paciente que possui incontinência urinária, como boa higiene para evitar as lesões de pele causadas pela acidez da urina, é necessário o esvaziamento vesical constante, pois a permanência da urina por tempo prolongado na bexiga pode gerar:

  • atonia vesical permanente com dano irreversível ao músculo detrusor que é responsável pela contração da bexiga.
  • cistite grave, podendo em casos graves haver pielonefrite, hidroureter e até hidronefrose

Dois métodos de esvaziamento vesical pode ser empregados:

  • O paciente pode ser submetido à técnica asséptica de colocação de sonda uretral e mantido com um sistema fechado de coleta de urina. A vantagem deste método é a praticidade de manejo, além da constante monitoração da urina (aspecto, cor, quantidade). Suas principais desvantagens são a predisposição a estenose uretral e infecção do trato urinário além da necessidade de internamento do paciente.
  • O melhor método de esvaziamento da bexiga provavelmente é o esvaziamento manual. O animal pode ser submetido a massagens vesicais periódicas (cada 3-4 horas), que podem ser associadas a um manejo farmacológico. Possui a vantagem de não precisar anestesiar o paciente para sua realização sendo assim mais barato; caso os proprietários sejam cuidadosos o animal não precisa permanecer internado. Como desvantagens existe a possibilidade de permanecer volume residual de urina na bexiga predispondo a cistite além do estresse do paciente por submetê-lo a manipulação constante.

3) O manejo farmacológico pode ser realizado com fármacos alfa antagonistas como a acepromazina (0.05 mg/kg Bid) ou prasozina (0,25-0,50 mg/gato Bid). Estes fármacos irão antagonizar a ação simpática sobre o esfíncter uretral interno, promovendo seu relaxamento e assim facilitando o esvaziamento vesical. O diazepan também pode ser utilizado para promover o relaxamento da musculatura estriada do esfíncter externo. Após ter certeza do relaxamento dos esfíncteres pode ser administrada a metroclopramida (0,2-0,5 mg/kg) que atua estimulando a contração da musculatura da parede vesical prejudicada pela lesão do nervo pélvico.

ATENÇÃO! não iniciar a metoclopramida sem o relaxamento dos esfíncteres para não ocasionar ruptura vesical.

LEITURAS SUGERIDAS:

LANE, I. Symposium on micturition disorders. Veterinary Medicine, p.48--74, 2003

OLIVER, J. et al. Disorders of micturition. Hanbook of Veterinary Neurology, 3 ed, Saunders, 1997.

MITCHELL, W.C.; VENABLE, D.D. Effects of metoclopramide on detrusor function. J Urol. 1985 Oct;134(4) :791-4.

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