Convulsão é o quadro clínico gerado por descargas elétricas paroxísticas, descontroladas e transitórias nos neurônios do encéfalo, levando a alterações da consciência, atividade motora, funções viscerais, percepção sensorial, conduta e memória. As convulsões podem ter causas extra e intracerebrais.
As causas extracerebrais mais comuns são as de origem exógena como intoxicações por organofosforados, carbamatos, estricnina e ingestão de plantas tóxicas. As causas extracerebrais de origem endógena passíveis de causar convulsão são hipoglicemia, hipocalcemia, encefalopatia urêmica, policitemia e hipóxia entre outras. São conhecidas também por convulsões reativas, não tem aura e o cérebro tem a capacidade de retornar ao normal após retirada da causa incitante.
A epilepsia é a ocorrência de convulsões recidivantes, entre as quais o animal fica consciente. É causada por fatores de origem intracraniana, que por sua vez podem ter causas primárias e secundárias. Na epilepsia idiopática (primária, verdadeira ou hereditária), que acomete 1% da população canina, normalmente não identifica-se uma causa, o início ocorre entre um e cinco anos de idade, o animal está normal entre os episódios, acomete principalmente raças puras como o Pastor, São Bernardo,Collie, Setter, Labrador, Golden, Husky, Cocker, Poodle, Beagle e o período inter-ictal é longo (> 4 semanas). Provavelmente tem origem neuronal e genética. Os felinos raramente tem epilepsia idiopática.
A epilepsia secundária (sintomática, estrutural ou adquirida) é decorrente de lesão estrutural, ocasionada por doença intracraniana progressiva ou não, acomete cães de qualquer raça ou idade e freqüentemente estão presentes lesões multifocais. Ela pode ser ativa, devido à encefalite, hidrocefalia ou tumores, ou então inativa, decorrente de trauma craniano, hipóxia ou encefalite. Embora estes dois tipos sejam tratados da mesma forma, é importante a diferenciação para orientar o proprietário corretamente inclusive sobre o prognóstico em algumas raças refratárias ao tratamento. Existe ainda a epilepsia provavelmente sintomática, também chamada de criptogênica ou adquirida, decorrente de lesão estrutural que não é identificada.
A anamnese é muito importante para diagnóstico, pois é o proprietário quem na maioria das vezes presencia o evento e os dados obtidos podem auxiliar no plano diagnóstico e terapêutico. Deve-se obter a descrição do quadro, as fases da convulsão, a época de início das mesmas, a freqüência, o padrão, a duração, o comportamento do animal entre as crises (se possível solicitar um vídeo do episódio), vacinação, exposição a drogas ou toxinas, alimentação, cio, doenças anteriores, ocorrência de trauma craniano, se o quadro ocorre durante ou após o sono, exercício, alimentação ou jejum.
É importante tentar identificar a causa das convulsões (Tabela 1), através da realização de exame clínico e neurológico minuciosos, com atenção especial aos sistemas cardiocirculatório, respiratório, digestório e urinário. Realizar os exames complementares adequados (hemograma, urinálise, coproparasitológico, enzimas hepáticas, uréia, creatinina, glicemia, calcemia, líquor, sorologias, PCR, radiografias torácicas, ultra-som abdominal, TC e RMI quando disponíveis).
O tratamento antiepiléptico obviamente só deve ser realizado nos pacientes com convulsões decorrentes de epilepsia verdadeira e secundária. Cães com outras causas de convulsão devem ter a doença desencadeante tratada. Quanto antes for iniciado o tratamento melhor o resultado. Cães tratados precocemente apresentam um controle mais efetivo quando comparado com cães que tiveram muitas convulsões antes do início do tratamento. Na decisão para o tratamento deve pesar a qualidade de vida do proprietário e do animal versus a capacidade de limitar a severidade, freqüência e duração dos eventos. Assim, a decisão deve ser baseada na etiologia, tipo de convulsão e freqüência das mesmas. Para facilitar esta decisão e também o acompanhamento do resultado do tratamento, o proprietário deve ter um calendário para anotar as ocorrências. O tratamento deve ser iniciado se houver qualquer das circunstâncias a seguir:
· Lesão estrutural presente
· o animal apresentou Status epilepticus ( atividade convulsiva contínua que dura mais de 15 minutos) ou convulsões seguidas, sendo que o animal não retorna ao normal após 30 minutos.
· Apresentou mais de três convulsões generalizadas em 24 hora, ou apresentou dois ou mais clusters (mais de duas convulsões em um período de 24 horas) em 1 ano.
· Já é a segunda vez que apresenta convulsão, com intervalo menor que seis a oito semanas entre os episódios, ou apresentou dois ou mais eventos isolados em seis meses.
· As convulsões iniciaram-se uma semana após ocorrência de trauma craniano,
· Apresentou um episódio que durou mais de cinco minutos.
Apesar da existência de inúmeros anticonvulsivantes no mercado, existem limitações na veterinária para o uso de muitos deles, devido à ocorrência de toxicidade e tolerância, farmacocinética inapropriada e também ao custo elevado de muitos deles. Assim, os anticonvulsivantes mais indicados para uso em cães são o Fenobarbital e o Brometo de Potássio, enquanto que em gatos podem ser usados o Diazepan e o Fenobarbital (o Brometo de Potássio não é indicado em gatos).
A monoterapia reduz a ocorrência de efeitos colaterais, evita a interação inadequada com outras drogas, facilita a colaboração do proprietário e diminui os custos do tratamento. Assim o fenobarbital e o brometo são os fármacos mais comumente utilizados em cães. Ambos tem potencial para causar efeitos colaterais e sedação e devem ser monitorados adequadamente para que se obtenha o melhor de cada um deles com poucos efeitos colaterais. O controle da atividade convulsiva e a toxicidade de um anticonvulsivante não são determinados pela dose fornecida, mas sim pela medição de sua concentração sérica. Este exame é o método ideal para assegurar o controle adequado das convulsões, detectando subdoses e diminuindo a ocorrência de toxicidade, sendo o substituto ideal para o critério clínico. Cada paciente apresenta uma resposta individual aos fármacos, assim deve-se saber se a concentração sérica está adequada, principalmente no pico inferior, pois há maior suscetibilidade para ocorrer convulsão neste momento. O conhecimento da concentração sérica permite ainda que a dose seja modificada antes que ocorram falhas ou reações adversas. O sucesso terapêutico só pode ser obtido quando o veterinário escolhe um medicamento eficaz, conhece a farmacologia clínica e a importância da monitorização da concentração sérica como guia para o tratamento. Nos casos em que houver falha do tratamento, o diagnóstico deve ser revisto ou o fármaco deve ser readequado para o paciente. Deve ser lembrado que cada paciente é único e a terapia deve ser individualmente ajustada.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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